Os Bonecos De Elion


     Em uma ilha há uma cidade pequena e pobre, as casas são estreitas e longas, tendo uma atmosfera cinza e sombria, porém, antes da terrível maldição as pessoas viviam felizes e unidas, como se a pobreza não fosse problema, afinal de contas um ajudava o outro naquela época. Logo depois quando os seus habitantes perceberam que seriam exterminados se ficassem parados, tomaram uma decisão ilógica, mas como em meio ao sofrimento e desesperança eles poderiam ser racionais? A resposta é impossível, aquilo parecia o próprio inferno.
     Com o objetivo de acabar com a praga, eles fizeram uma cidade onde todos os bonecos de madeira iriam morar, e rezaram com toda a fé que ainda restava, para acabar com aquilo, porém, não foi exatamente o que aconteceu, o número das vítimas diminuiu em oitenta por cento, as pessoas ficaram satisfeitas por longo tempo com os resultados, mesmo que tivessem famílias que ainda eram afetadas pela maldição. Os habitantes que eram bondosas, logo começaram a ignorar o sofrimento dos outros, recusando-se a procurar uma solução definitiva para o problema.
     Nicolas, tinha uma vida feliz, com uma linda esposa, e com uma bela filha de quinze anos, o seu trabalho não era o mais nobre entre os moradores, mas dava para sustentar a sua amada família, e sempre agradecia por nunca ter passado por nenhuma necessidade, tinha um pequeno barco de pesca, quando ele não conseguia vender os peixes, eles comiam o que sobrava, mas mal sabia que os dias tranquilos observando o céu estrelado estavam prestes acabar…
     Trovões e ventos pareciam gritar de dor, naquela noite tempestuosa, onde nenhuma alma viva ousava sair da sua morada ou de sua toca, esperando com temor a tempestade passar, mas na casa de Nicolas o inferno parecia ter entrado sem ninguém perceber a sua presença, apenas quando foi tarde demais ele se deu conta que tudo estava perdido, Beatriz havia demonstrado os primeiros sintomas da maldição, curiosamente essa doença era bem raro entre os adultos, e muito mais comum entre os jovens.
     Ele se recusou a acreditar de uma maneira lógica, procurando outras categorias de doenças que teriam os mesmo sintomas, mas foram apenas os seus instintos de auto defesa tomando conta da consciência, começou a discutir junto com a sua esposa durante horas, sobre o que poderia estar acontecendo com a sua filha, mesmo Beatriz estando no seu quarto, que se localizava no segundo andar, deu para ouvir o ápice da conversa, era como se eles tivessem percebido a gravidade da situação, e terem ficado relativamente mais nervosos diante tal acontecimento… 
     A respiração do seu pai estava mais pesada, e o seu coração batia tão alto que não seria exagero dizer que Elsa sabia bem do som, que o seu marido estava produzindo.
     — Isso não pode a estar acontecendo. — Estranhamente ele negou, mas as palavras a seguir saíram com mais aceitação, como se estivesse passando pelos cinco estágios do luto antes da hora. 
     — Deve haver algo mais que possamos fazer. — A esposa percebeu o seu olhar de desespero, e o sorriso em sua face, que tentava esconder isso com uma falsa esperança, porém, nem de longe enganava alguém. Com a mesma expressão olhou para Elsa só para ter a confirmação do terrível pesadelo.
     — Lamento, mas quando ela se transformar completamente em uma boneca, devemos leva-lá, e entregar aos Deuses. — A melancolia era nítida em suas palavras, voz, e até mesmo em seu olhar. Por alguns minutos teve ausência de voz por completo, só sobrando os terríveis sons da janela tremendo. Um sentimento de vazio estava cada vez mais aparente dentro da sala, que por ironia estava cheio de objetos, como quadros, cerâmica e até mesmo duas estantes de livros.  Assim que o barulho do sétimo trovão soou nos seus ouvidos, Elsa decidiu interrompe o estado profundo de reflexão do seu marido…
     — Vou estar no nosso quarto orando para que os Deuses terem piedade da nossa filha. — Nicolas não prestou atenção no que ela tinha falado, e como poderia? Com o estado profundo de melancolia, logo em seguida a sua esposa pegou uma estatueta que estava em cima da estante de livros, o seu material parecia ser de mármore, seja quem for que tinha a esculpido dava para ver nitidamente a sua maestria. Subiu as escadas com passos mais lentos do que de constume, parecia simplesmente que estava sem forças para andar normalmente. 
     Alguns minutos se passaram, e Nicolas se deu conta dos acontecimentos de mais cedo, saindo daquele estado de transe, mas ainda estava sem coragem. Sem coragem para passar umas de suas últimas noites com a sua filha, como vê-lá deitada na cama sabendo, que logo iria morrer e nada, absolutamente nada poderia fazer para evitar tal tragédia, então foi até a cozinha e pegou uma garrafa de bebida, estava quase vazia, mas ainda dava para dar alguns goles a mais, voltou para o mesmo local de antes com passos lentos, sentou na sua confortável poltrona se afogando novamente em seus pensamentos profundos e sem vida, na direção do seu olhar havia um relógio, ele observava o seu ponteiro, sem perceber o tempo que passava, enquanto degustava cada goles de sua bebida, sem pressa, a cada quinze segundos exatos os trovões gritavam sincronizados com o objeto de madeira que fazia tic tac a cada segundo. Quando se deu conta… 
     A sua garrafa estava completamente vazia, agora os sons estavam bagunçados, logo voltou a si tomando uma decisão, subiu as escadas o mais rápido possível, pois, não queria ter mais dúvidas no que fazer, abrindo a porta do quarto de Beatriz, a encontrou deita olhando para o teto de uma forma melancólica, a primeira vista poderia pensar que aquilo era um corpo sem vida, mas logo dava para perceber que não era o caso. Quando viu seu pai em pé perto da porta, ela falou um pouco confusa: —O que está fazendo aqui tão tarde da noite, amanhã você não vai trabalhar?
     Ele caminhou para perto de sua cama e sentou-se ao seu lado, dava para perceber que através daquele olhar feliz, escondia uma forte dor, e tristeza, como se aquilo fosse apenas uma mascara para parecer forte na frente de Beatriz, também não queria que ela fosse para o mundo dos mortos com uma imagem patética dele chorando, se lamentando por algo inevitável, logo respondeu à pergunta de sua filha: —Provavelmente não, julgo que vou ficar o dia todo com você amanhã. — Ela abriu um enorme sorriso e falou o abraçando: —Serio!? — Tinha ficado surpresa, pois, Beatriz adorava passar o seu tempo com o pai, mas por causa do trabalho era quase impossível, mas toda essa sua alegria acabou em um instante, quando percebeu que isso era bom de mais para ser verdade…
     — Os meus vômitos não pararam, aliais eles só pioram, estou vomitando com mais frequência do que alguns dias anteriores, e o último... Juro que havia sangue nele. 
     A melancolia que escondia no olhar de Nicolas por um instante ficou transparente, então sua filha soube de imediato a preocupação de sua familia, eles ficaram alguns minutos em silêncio enquanto agonizavam, os trovões pareciam dizer algo incompreensível aos ouvidos humanos, até que ela decide interromper essa situação de insanidade… 
     —Eu queria ouvir você contar aquela história, já que nunca vou ter idade o suficiente para isso. 
     Ele sabia bem do que estava falando. Sempre contava algumas histórias para sua filha toda vez antes de dormir, e em uma certa noite ela pediu para ler um conto especifico, mas ele falou que não era para sua idade, e que ficaria com medo, afinal de contas aquilo citava Elion, o ser mais terrível entre a religião dos habitantes da ilha, porém, logo em seguida deu um sorriso simpático, e falou com um tom irônico: —Ok, mas não vá ficar com medo…
     “Em muitas religiões, falam que no começo do mundo só havia caos e destruição, mas não era bem assim, afinal de contas um ser chamado Elion andava por essas terras, o único ser vivo em todo o planeta, e apesar de ter poder o suficiente para acabar com constelações, ele tinha um enorme defeito, não conseguia criar seres com vida, e isso o incomodava profundamente, pois, depois de milhares de anos a solidão fica assustadora, tentou criar animais a partir da madeira das árvores, porém, toda vez que tentava aquilo virava cinzas, então decidiu parar de usar poderes mágicos em suas criações, e começou a esculpir bonecos humanoides de madeira, a maioria era de carvalho, pois a sua textura e cor eram perfeitas, em torno de mil anos o mundo estava sendo habitado pelas suas obras de arte, mas é claro isso não foi a única criação... Cidades enormes foram erguidas, pirâmides se formaram perfeitamente, para que Elion pudesse observar as estrelas, e encontrar alguma companhia, nessa época a terra era um paraíso solitário, com tantas estruturas geniais, mas sem ninguém para admirar, apenas Elion, mas logo a sua insanidade ficou cada vez mais aparente, até ser tomado por completo, ele já não era mais racional, mal conseguia dizer uma palvra, e começou a agir por apenas instinto, a solidão havia o contaminado por completo, até que aconteceu uma outra tragédia, cinco seres misteriosos haviam chegado, acharam esse lugar perfeito para que a vida próspera-se, porém, eles perceberam uma presença abominável, que com certeza iria representar perigo. Meses se passaram até o encontrarem, a aparência de Elion era diabólica, os seus olhos eram vermelhos,em sua destra haviam crescido chifres pontudos , as suas mãos viraram patas com garras, parou de andar como um se humano, cresceram pelos em todo o seu corpo. Os seres divinos sentiram nojo e pavor dele, e apenas por respeito de quem ele já foi, decidiram aprisiona-lo, ao invés de matar, aquilo foi a pior tortura para ele, pois, continuava só. Os seres divinos queimaram todos os seus bonecos, por achar repugnante, mas muitas de suas construções foram conservadas,fizeram histórias sobre a humanidade, e sobre Deuses fictícios”. 
     Ela não imaginava que isso seria tão incomodo assim, então falou logo em seguida: —Pai, essa história é verdade? — O seu olhar ficou confuso quando ouviu a pergunta e falou: —Provavelmente sim, a única coisa que tenho certeza é que a maldição, jurada por Elion antes de ser derrotado é verdadeira. Beatriz, sussurrou: —Os seres deviam ter terminado com o seu sofrimento. — A atmosfera estava densa e o medo era claro no rosto de sua filha, então ele deu novamente um sorriso para disfarçar e falou: —Vai dormir, amanhã quando a tempestade passar vamos sair de casa, e visitar alguns lugares da ilha… 
     O amanhã chegou e Nicolas realizou a sua promessa feito anteriormente, aliais ele devia fazer isso quanto o antes, pois, logo saberia que a sua filha não teria mais força para se levantar da cama, dias e noites se passaram e Beatriz, só piorava, a sua pele começou a descascar com uma dor insuportável, algo que seria incapaz de colocar em palavras, os seus olhos lentamente foram se tornando rígidos, e com isso veio a perda de visão, os seus vômitos começaram a piorar, ao ponto de chegar a cuspir os seus órgãos, o desespero foi tanto que não podia nem sequer pensar sobre o acontecimento. Seu físico ficou deteriorado, ao ponto de não ter força nem para respirar, os seus pais perceberam que ela não conseguia mais falar, pois as suas cordas vocais ficaram secas, logo deixaram de existir, depois de alguns dias com muito sofrimento, ela finalmente tornou-se uma boneca de madeira, totalmente sem vida, a sua aparência era algo que foi esculpida por mãos humanas, ninguém nunca da vida iria imaginar que aquele objeto tinha um nome, os seus olhos refletiam a sua alma, que estava presa, e pareciam seguir o Nicolas incessantemente.
     Mesmo já sabendo desse destino os pais ficaram profundamente tristes com a perda da amada filha, o Nicolas ficou obcecado pelos olhos da boneca, e chegou a dizer que ela ainda estava viva, e a sua alma presa dentro daquele corpo, porém, não tinha nenhum jeito de ajudar, demoraram a levar a sua filha para cidade dos bonecos, porém, quando perceberam que não havia mais esperança, eles a levaram, antes que Elion ficasse ainda mais irritado. O pai não perdeu a esperança de algum dia libertar a sua filha daquele sofrimento, durante a sua vida toda ficou procurando uma solução, apesar de nunca ter encontrado a cura para essa maldição.


Autor: Lucas Fernando Oliveira Duarte.

Comentários

  1. Gênio é a palavra mais adequada. Suas criações faz até o mais exigente homem, ficar de queixo caído. Sou fã demais. Obrigado por proporcionar essa leitura. Tenha uma ótima semana, que esse Domingo seja de muita paz. Te amo pra caralho.

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    1. Obrigado, também espero que você tenha um bom domingo. Seus comentários me deixam sem palavras,rs,rs, um escritor não poderia ter um melhor incentivo do que o seu, isso só me faz querer ser melhor a cada dia.

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